Sandra Franco*
O barato sai caro. Certamente esse é um dos ditados populares mais precisos quanto à Economia. Quando se trata de saúde e qualidade de vida, então, é praticamente indiscutível. Entretanto o atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, parece desconsiderar essa máxima, tendo eleito outra para caracterizar sua gestão: “Não há nada mais certo que nossos próprios erros. Vale mais fazer e arrepender, que não fazer e arrepender”.
Essa assertiva de Maquiavel serve bem para ilustrar a política pública nacional que consiste em lançar um novo projeto a cada gestão, muitas vezes em detrimento de apenas se aprimorar o já existente. A recente defesa do Ministro no que se refere à criação de um plano de saúde “mais popular” (com menor custo para o consumidor), com acesso a menos serviços do que o rol para cobertura mínima obrigatória determinada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), causa estranhamento.
A ideia do ministro seria a de diminuir os custos do Sistema Único de Saúde (SUS). Ocorre que a proposta traz, em seu bojo, validade jurídica duvidosa. Nem se irá entrar no mérito de que um Ministro propõe que haja regras diferentes paara a criaçao de um plano, por conveniência do Estado, em total afronta à Lei. Oras, o Governo criou uma Autarquia (ANS) que se destina a regular a saúde privada no país; deu a essa Autarquia poderes para exigir das Operadoras um rol mínimo de procedimentos com cobertura obrigatória, mas quer, sob arrepio da lei, oferecer aos pretensos novos usuários de um plano público de saúde popular um serviço aquém dos já existentes na iniciativa privada.
A flexibilização das atuais regras seria um grande risco para os usuários e clientes das operadoras. Sem dúvida, poderiam aumentar os abusos praticados pelas operadoras. Ou seja, seria uma medida sem benefícios reais à população.
Não se discutem os evidentes problemas de financiamento do SUS e a visível incapacidade dos gestores para prestar bons serviços com os parcos recursos, mas a proposta de superlotar clínicas e hospitais particulares, com um novo modelo de plano de saúde, não resolverá o crônico problema da saúde no Brasil. O cerne dos problemas em saúde pública ou privada começa antes por medidas preventivas para que se trate a saúde dos cidadãos e não as suas doenças. O saneamento público continua ausente na maior parte do país.
Outro aspecto está no fato de que se estaria apenas transferindo as filas e o caos da saúde pública para a privada. O que seria feito com relação às doenças preexistentes já tratadas pelo SUS antes da contratação do suposto plano “popular” da rede privada? Haveria carência para que fossem feitos exames de pacientes que esperam meses já na fila? Enfim…
Em um reino não tão distante da saúde pública, a saúde privada também apresenta suas mazelas. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) revelou, em seu levantamento anual, que a maior parte das reclamações (39%) de beneficiários de planos de saúde em 2015 foi sobre problemas com a rede credenciada, marcação, agendamento e descredenciamento de rede.
Para corroborar a tese de que o Ministro só em pensar nessa ideia já deveria se arrepender, acrescenta-se que o fenômeno da Judicialização da Saúde tenderá a crescer e haverá ainda mais gasto público com as ações obrigando o plano “popular” e privado de saúde a dar cobertura a procedimentos não contratados. Afinal, a saúde é direito de todos, garantido constitucionalmente. De qualquer maneira, onde serão realizados os procedimentos não cobertos pelos planos populares?
Já disse o atual Ministro que o brasileiro “não é obrigado a aderir aos planos de saúde”; não obstante, ele próprio está a induzir o cidadão a pagar um plano para que possa ter atendimento. Quase surreal até em país de Macunaíma.
Aumentar a eficiência dos recursos do SUS passa por uma série de medidas que sempre necessitam de vontade política. O cidadão não pode se acostumar a sempre esperar a vontade do poder público. Tampouco seria digno se sujeitar ao disparate de o próprio Estado ir contra a Constituição e leis específicas para criar uma saída que serve antes a interesses empresariais do que ao público.
O país padece com a baixa eficiência na utilização dos recursos públicos, sofre na carne os efeitos da corrupção generalizada, continua a pagar seus impostos e ainda é vítima de governantes que jogam dados com a Saúde pública. O que nos resta?
*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, doutoranda em Saúde Pública, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) e membro do Comitê de Ética para pesquisa em seres humanos da UNESP (SJC) e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde – drasandra@sfranconsultoria.com.br