É comum, quando se é médico, ouvir dos pacientes palavras e gestos de agradecimento pelo cuidado ofertado, mas não sabem eles o quanto somos gratos pelo aprendizado que eles nos proporcionam no dia a dia.
A medicina de família é uma prática instigante. Iniciamos o dia sem saber o que encontraremos pela frente, que relatos e histórias ouviremos, mesmo que os pacientes sejam os mesmos, seus problemas e suas histórias vão mudando a cada encontro, a cada momento de suas vidas. Para mim é uma das coisas mais estimulantes que a medicina de família oferece. Monotonia zero. Emoções 100%.
Hoje, por exemplo, foi um típico dia de atendimento com estes ensinamentos da essência da vida, das transições de cada fase do ciclo vital, com suas alegrias e tristezas, conquistas e derrotas, perdas, encontros e reencontros. Daqueles dias que nos ajudam a refletir melhor sobre nossas próprias vidas. Que nos mostra o quanto a vida é cheia de surpresas, e o que nos faz aproveitá-la é a forma como a apreciamos em seus detalhes essenciais numa perspectiva contínua e resiliente.
Os sentimentos vão aparecendo nas narrativas com suas diferentes facetas nos atendimentos: a emoção de uma senhora de 70 anos em dizer que a filha a perdoou depois de 20 anos; a felicidade de um pai em ver sua filha se formando na faculdade; a alegria de uma mãe preparando a casa para receber seu filho de volta, que estava há um ano trabalhando fora, mesmo que com isso tenha desenvolvido uma lombalgia aguda; a ambiguidade presente no relato de um senhor de meia idade sobre sua decisão de se aposentar e planejar um novo rumo na vida pessoal e profissional.
Ou como a preocupação e angústia cotidiana de uma senhora de 60 anos com sua mãe de 85 anos, que mora só em outra cidade, longe dela e dos outros filhos, levando a sofrer com dores abdominais e diarreia pela tensão e ansiedade; a tristeza de um homem de 55 anos que vem há quatro meses sofrendo com a separação de sua ex-namorada, tentando se reconciliar e lutando contra o alcoolismo; a satisfação de um filha em ver sua mãe idosa de 94 anos se recuperando de um imobilismo pós queda no domicílio, há seis meses, e que agora já caminha sozinha pela casa com o andador.
O entusiasmo de um casal de meia idade que tem olhado mais um ao outro, se apoiando, e amenizado conflitos crônicos, com melhora de sintomas habituais como cefaleia e insônia; a euforia de um jovem que reingressou no segundo curso de graduação após muita reflexão e que ao mesmo tempo sofre após descobrir que um velho amigo faleceu subitamente.
Encerro o dia de atendimentos de forma tocante e emocionado ao ver o brilho nos olhos no relato de uma jovem que acompanho desde seu tempo de colégio, e hoje após uma longa caminhada cheia de adversidades concluía a faculdade. E ainda tendo se reconciliado com o namorado, quando há um mês estava pensando em desistir de tudo…
São tantas histórias compartilhadas, passagens por ciclos de vida diferentes, desafios que se iniciam a cada etapa, elaborações de perdas, frustrações, alegrias, enfim a essência do caminhar nesta vida. Coisas que a medicina de família, através dos nossos pacientes, nos presenteia em intensidade máxima.
Thiago Trindade é presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)