Leia a primeira parte desta matéria em: www.revistahospitaisbrasil.com.br/noticias/wellington-nogueira-a-sabedoria-de-um-palhaco-com-o-coracao-maior-que-o-mundo-parte-1
Por Carol Gonçalves
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Qual a importância de envolver os profissionais de saúde nas atividades realizadas pela ONG?
Nos anos 90, quando iniciei o trabalho, trouxe a figura do besteirologista – o palhaço que faz a paródia do médico. O besteirologista pode errar, falar bobagens e extrair miolo mole. Isso ajudava a quebrar o paradigma da figura médica de maior autoridade dentro de um hospital, lembrando que ali havia um ser humano, e ajudava as crianças a enxergarem este ser…
A intervenção contínua dos artistas-palhaços inspira novas relações nos hospitais, não somente entre as crianças e suas famílias, mas também entre a equipe de profissionais de saúde. As pesquisas que temos feito desde 1993 trazem indicadores importantes, como “as famílias ficam mais colaborativas com os profissionais de saúde depois que os palhaços passam” ou “os profissionais passam a enxergar primeiro a criança, depois o paciente”.
Resgato o depoimento que um grande parceiro nosso, o Dr. Yassuhiko Okay, vice-diretor geral da Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: “Os Doutores da Alegria possibilitaram o resgate da espontaneidade e da liberdade dos nossos gestores, profissionais de saúde e pacientes, com seus desdobramentos. No papel de facilitadores, nos tiraram do lugar-comum. Quebraram paradigmas. Saímos do automatismo, começamos a nos questionar. O médico tornou-se também mais humano”.
Vocês fazem apresentações especiais voltadas exclusivamente para profissionais e colaboradores das instituições de saúde?
Sim, principalmente quando iniciamos uma nova parceria, como a abertura de um dos nossos projetos em algum hospital. Realizamos palestras interativas, oficinas, sempre com a presença de um artista de cara limpa – como chamamos quando estamos sem maquiagem – e um palhaço para estabelecer um jogo e brincar com a plateia. Também temos conversas como o “café da manhã com hospitais”, em que discutimos o trabalho e as perspectivas de nossa parceria.
Já houve alguma parceria com hospital que não deu certo devido ao desalinhamento de objetivos?
No início, o que se esperava do hospital era a disponibilidade de acolher a dupla de palhaços em sua equipe profissional, possibilitando as intervenções com os pacientes, familiares e profissionais duas vezes na semana. Vale lembrar que o hospital não paga nada por isso. Antes de entrar em cada instituição com um projeto, temos muitas conversas, estudamos, avaliamos, cruzamos nossos desejos e expectativas. Sempre soubemos que não poderíamos estar em todos os hospitais, por isso apostamos na qualidade de cada ação, no diálogo constante.
Atualmente, o que esperamos de um novo parceiro é o comprometimento da gestão, em vários níveis, identificando conosco novos espaços para atuarmos com os profissionais de saúde em palestras, cursos e oficinas.
Além disso, como uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, temos o compromisso de atuar em frentes que sejam de acesso democrático. O objetivo é criar público em locais que tenham atendimento pelo SUS, sejam referências em especialidades e atendam a uma população mais abrangente, além de permitir também a formação de médicos. Por isso, nosso foco hoje é trabalhar especificamente em hospitais públicos. Já atuamos em hospitais privados no passado, mas que não atendem mais aos requisitos acima.
Como vocês adaptam as intervenções às necessidades dos pacientes e hospitais? Quais os cuidados necessários quando se lida com o ambiente hospitalar?
São muitos. Mas acho que sou mais surpreendido pelos pacientes do que eles por mim, porque não há duas crianças iguais. Uma é espevitada, outra tímida. Um dos valores desse trabalho é saber que cada criança tem seu tempo. É importante ela não se sentir pressionada a rir, mas ficar à vontade com o palhaço para desenhar o encontro que quiser. Não é frustração estar diante de uma criança que custa a rir ou não sorri, nem deve se tornar uma ansiedade, porque alegria é algo que se desenvolve a dois. Em relação aos cuidados, é sempre bom lembrar da importância da higiene no ambiente hospitalar e de precauções específicas com UTI e doenças contagiosas, entre outros.
(Continua…)