A inversão da pirâmide etária (envelhecimento da população mundial e a redução na proporção de jovens) exige que o segmento da saúde se reinvente para dar conta do aumento na demanda por atendimento. O número de pacientes cresce em taxa superior à capacidade de formar mão de obra qualificada. Essa realidade força a busca por eficiência em toda a cadeia da saúde, incluindo seguradoras, hospitais, laboratórios, indústria farmacêutica e instituições de cuidado ao paciente. “É preciso adotar as novas tecnologias para ampliar a competitividade. A digitalização traz vantagens que devem ser aproveitadas”, diagnostica Tobias Zobel, diretor do Instituto Central de Engenharia Médica na Universidade Friedrich-Alexander de Erlangen-Nuremberg (Alemanha).
O especialista participará do painel “Inclusão Digital e Tecnologias Aditivas”, marcado para o dia 18 de agosto, durante o CIMES – Congresso de Inovação em Materiais e Equipamentos para Saúde, em São Paulo (SP). Segundo ele, a digitalização mudará a forma de operação do setor. Entre os desafios está o de lidar com as informações relativas aos pacientes, o que exige uma nova abordagem nos registros de informações médicas, diagnósticos, protocolos de terapias, entre outros. “Temos de criar um ecossistema de atendimento centrado no paciente”, diz, completando que, passo a passo, o segmento terá de se adaptar à uma medicina mais colaborativa, o que exigirá padronização e troca de informações. Confira a entrevista que Zoebel concedeu à ABIMO:
Abimo – Quais são os maiores desafios da digitalização?
Zobel – A adoção de tecnologias enfrenta barreiras no setor da saúde, que é bastante conservador. Os modelos de negócio existentes devem ser redesenhados para permitir a transformação necessária. É muito difícil fazer com que os líderes saiam da zona de conforto. Eles estão acostumados a tomar decisões com base em suas largas experiências. Dominam a operação existente e resistem ao novo. Cabe aos líderes da transformação digital criar uma agenda para reforçar e dar continuidade à estratégia tecnológica.
Abimo – Quais são os principais benefícios da transformação digital na saúde?
Zobel – No aspecto do negócio, a automação dos processos vai beneficiar a tomada de decisões, promover o foco no paciente e permitir a inovação nos serviços e nos produtos. Como consequência, há melhora nos processos organizacionais, mais qualidade no atendimento ao paciente, redução da burocracia e criação de empregos. O ambiente também é propício ao desenvolvimento tecnológico, gerando oportunidades para as áreas de inteligência artificial, realidade aumentada e realidade virtual, dispositivos conectados, análise de genomas, nanotecnologia, robótica, engenharia de tecidos e impressão 3D.
Abimo – Quais são os ganhos de tecnologias como a manufatura aditiva?
Zobel – O uso de manufatura aditiva (impressão 3D) trará um grande impacto no trabalho dos médicos. Influenciará o modo como eles preparam e realizam cirurgias. Permitirá a customização de próteses, implantes, materiais para a reconstrução facial, implantes cranianos, etc. Os softwares permitem simular cirurgias e treinar profissionais em situações reais. É claro que a manufatura aditiva não se restringe à área cirúrgica. Os sistemas de dispensa de medicamentos, por exemplo, estão na mira dos pesquisadores, para evitar erros na dosagem.
Outro tópico interessante são os implantes absorvíveis pelo organismo. Acredito que eles terão um papel importante no futuro. Parafusos e pinos que desaparecem em poucos anos já estão sendo utilizados na medicina. Stents de polímeros e implantes fabricados com liga de magnésio também começam a conquistar o mercado. A principal demanda virá dos hospitais mais modernos e avançados, que possuem capacidade para implementar novos processos.
Abimo – Como as novas tecnologias estão mudando a rotina dos fornecedores de equipamentos e insumos médicos?
Zobel – Para essa parte da cadeia produtiva, a mudança estrutural mais importante acontecerá no processo de vendas. As fornecedoras tradicionais estão acostumadas a listar seus produtos em catálogos. No futuro, a demanda que virá dos centros de saúde será de produtos customizados. Basicamente, as novas tecnologias invertem a ordem do processo de vendas. Entender essa mudança é o grande desafio – mas também a boa oportunidade – para as empresas que já atuam no setor.
Abimo – O Brasil está preparado para acompanhar essas mudanças?
Zobel – Se pensarmos no grau de conhecimento, eu tenho completa confiança de que as companhias e os cientista brasileiros atendem a todas as demandas para construir um sistema de saúde moderno e digitalizado. Eu sempre fico impressionado com a motivação dos jovens empreendedores nas universidades e também com a dinâmica organizacional das empresas de pequeno e médio porte que atuam com inovação no Brasil.
Abimo – Quais são as principais barreiras para o avanço tecnológico na área da saúde?
Zobel – Eu considero que são três os grandes gargalos. O primeiro deles está na exigência de grandes investimentos em tecnologia da informação, que no caso da rede de saúde é composta de soluções complexas e altamente especializadas. A segunda questão é a regulamentação para a segurança dos dados dos pacientes. Um ecossistema centrado no paciente exigirá maior conectividade e colaboração, mas é preciso estabelecer as regras. O terceiro ponto está em promover novos modelos de negócios para quem quer inovar na área da saúde.
Abimo – Em que pé estão as discussões e negociações sobre a regulamentação no mercado global de saúde?
Zobel – Na Europa e nos Estados Unidos ainda há um debate acalorado sobre as questões éticas e regulatórias. É preciso entender como lidar com as novas tecnologias. Independentemente das ações dos países e dos órgãos reguladores, a digitalização do segmento da saúde deve ter foco no paciente, o que significa prover atendimento respeitoso e responder às preferências dele, evitando modelos de negócios onde o valor esta baseado no volume e não no cuidado.