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Mário Sérgio Cortella alerta que sentimentos de medo, esperança e gratidão não devem ser ignorados na assistência à saúde

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Mário Sérgio Cortella. Foto: Revele Projetos Fotográficos

Escrito em meados do século 20 pelo autor Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas” é a epopeia da própria língua portuguesa e, é claro, do jagunço Riobaldo em sua travessia pelo sertão mineiro. Atemporal, a obra traz consigo o poder de ultrapassar os limites de suas páginas e nos confronta, com certa estranheza familiar, com um sentimento universal: o abandono. Tal enredo e sensação também dialogam com a área da saúde. Mais especificamente, quando se trata da assistência dentro do ambiente hospitalar.

É com esse pensamento que o filósofo, professor, pensador e escritor Mário Sérgio Cortella conduziu recentemente os quase 400 participantes do 3º Simpósio do Hospital Santa Rosa em Gestão Hospitalar rumo ao desafio de compreender a importância do relacionamento para a geração de valor para o paciente – uma problemática tão atual e verdadeira quanto os sentimentos que permeiam um indivíduo em sua trajetória pelo pré, durante e pós-hospitalar.

“Em sua obra, este grande médico mineiro, o estupendo escritor Guimarães Rosa, mostra aquilo que eu, como paciente, desejo numa estrutura de atendimento de saúde. Afinal, a vida é ‘Grande Sertão’, mas tem ‘Veredas’. E o que eu quero como paciente? ‘Veredas’. Não quero a sensação que o ‘Grande Sertão’ oferece que é o abandono. De sentir que estou sozinho. Uma das piores sensações e sentimentos que agrava o medo dentro de um hospital é ele”, destaca.

Cortella contextualiza que se sentir abandonado não é o mesmo que se sentir largado – seja por conta de estar sozinho num leito, ainda no início do processo, no Pronto Atendimento ou porque há duas horas nenhum profissional do posto de enfermagem entrou no quarto.

“Me sinto abandonado quando ninguém me tratou como sendo alguém que está com um problema e, sim, boa parte me tratou como um problema que está em alguém. E que esse alguém é indiferente porque é só um problema que poderia estar em qualquer um. Não sou, nem quero ser, qualquer um. Isso não é arrogância. Naquele momento, minha fragilidade é expressiva porque a percepção de impotência é muito grande”, ressalta.

MEDO VS. AMPARO – Como exemplo de cuidado e recusa da solidão, o professor cita outro clássico. Dessa vez, o filme E.T., dirigido por Steven Spielberg, por meio da cena em que se reproduz a imagem de Adão e Deus retratada por Michelangelo em pintura no teto da Capela Sistina. No trecho em destaque na película, o E.T. aparece desvitalizado e a flor ao seu lado também começa a perecer. Logo, ele vai se apagando até o momento em que encostam nele e seu dedo volta a acender.

“É a cena mais emocionante no filme e que nos faz chorar. Eu, como paciente, quero um ‘dedinho’ para encostar no hospital. No entanto, se percebo que o ‘dedinho’ é meramente técnico, ‘plastificado’, uma formalidade, me sinto desprotegido. Afinal de contas, como diz frase do já falecido jornalista húngaro, Arthur Koestler, a ‘noção de verdadeiro ou falso aplica-se às ideias, não aos sentimentos. Um sentimento pode ser superficial, mas jamais será mentiroso’”, enfatiza.

Cortella alerta que é extremamente importante, sob a ótica do paciente, que se possa constatar dentro de um hospital que as pessoas que trabalham nele estão em estado de vigília. Da mesma forma, ele ressalta que o paciente precisa se sentir respeitado para que ocorra uma experiência positiva.

“Estou atrás de um ‘dedinho’ para encostar, largado num ‘Grande Sertão’ em que o outro é a minha ‘Vereda’. Não é que o considere a minha última salvação, ele é a minha única. Preciso ter essa noção de amparo. Procuro hospitais em que o meu medo seja cuidado –com esclarecimento, orientação, afeto, afago, clareza e transparência. Quero que o meu medo não seja desprezado quando em mim ele é grande. Aliás, quero que o meu medo seja amansado, sem que julguem a fonte dele, para que não se transforme em pânico”, pondera.

HORIZONTE DE EXCELÊNCIA – Durante a trajetória dentro de uma instituição, outro ponto a ser considerado diz respeito a tríade confiança-competência-experiência. Segundo o professor, um dos sentimentos que rege esse período é a esperança.

“A esperança é a confiabilidade no resultado positivo. Isso só acontecerá se eu tiver a certeza da competência de quem está ali comigo. Quero que a minha experiência seja fundamentada. A esperança não vem apenas porque estou numa organização que é exemplar não só na sua fala, mas também na sua prática cotidiana – com modos, exemplos e eventos que demonstram que a confiabilidade se transforma numa esperança de sucesso”, pondera Cortella.

Ele complementa que, muito além das Acreditações e Certificações do setor, ainda falta criar uma certificação para “amorosidade” nas instituições. “Quero ter a sensação de entrar com a vela apagada e o outro [hospital] com a vela acesa irá partilhar a chama e tornaremos tudo ainda mais iluminado. Quero ter o sentimento que aquela organização procura a excelência e excelência não é o lugar que você chega, mas – sim – o horizonte que faz com que você a procure”, reitera.

OBRA DO CUIDADO – Tal qual “Grande Sertão: Veredas” começa com um travessão e encerra com o sinal do infinito, a assistência na área da saúde apresenta um ciclo que nunca termina. E, assim como destacou seu autor, Guimarães Rosa, em discurso de posse da Academia Brasileira de Letras, se uma obra não morre, fica “encantada”, após a alta do ambiente hospitalar, o futuro da saúde tem como pilar a obra do cuidado: o resultado da experiência do paciente.

“Quando saio do hospital, só tenho o sentimento de gratidão. Não porque alguém ‘apenas’ salvou minha vida. Quando saio de um hospital, não saio pensando que quero voltar. Mas, quero sair tendo em mente que, se precisar, é pra lá que quero voltar, pois valeu estar lá. Ele me encantou – seja em relação à capacidade de cuidar do meu medo, de lidar com a minha esperança para que ela não fosse vazia e dar a sensação de que preciso ser grato porque existiu vigília e cuidado”, explica.

SIMPÓSIO – Promovido pelo Hospital Santa Rosa, o evento tem como foco reunir profissionais da área de saúde, empresários do segmento, médicos e estudantes de medicina. A ideia é apresentar informações que visem ampliar as relações comerciais, humanas, sociais e tecnológicas. Em sua terceira edição, o simpósio traz como tema central “Relacionamento com Geração de VALOR para o Paciente”.

“Discutir a saúde é o que a saúde precisa. Investir em ações que possam difundir conhecimento é primordial para a garantia de sua qualidade, sustentabilidade e segurança. Se novos olhares guiam o futuro, antes temos como desafio compreender o passado e avaliar o presente. Tanto que temos um tema atual e contamos com palestrantes e convidados de prestígio nacional e internacional que pensam o setor de forma inteligente”, reforça Mello.

Pensamento reiterado pelo diretor superintendente do Instituto de Consultoria e Gestão do Hospital Israelita Albert Einstein, José Henrique Germann Ferreira, que acrescenta que “o assunto ‘gestão’ é muito complexo e complicado. Complexo pela enorme variedade de atores que estão envolvidos nessa gestão e complicado tanto quanto consertar uma turbina de avião. Mas, isso tem evoluído – seja pelo entendimento dos profissionais a respeito do paciente e do paciente acerca do que acontece na instituição, bem como com ele mesmo”.


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