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É hora de mudar processos e engajar pessoas

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Por Carol Gonçalves

financial crisis design

 

Reduzir custos é sempre importante para ser competitivo, principalmente em momentos de crise econômica. Pensando nisso, a Revista Hospitais Brasil preparou uma sequência de seis matérias que serão publicadas nas edições, ao longo do ano, apresentando casos de sucessos de hospitais que adotaram novas práticas nos mais diferentes setores para melhorar suas receitas e diminuir os desperdícios.

Quem nos ajuda a analisar o tema da primeira matéria dessa série é o professor Walter Cintra Ferreira Junior, coordenador do Curso de Especialização em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (CEAHS da FGV/EAESP). Em 2015 houve as primeiras consequências da recessão econômica, com a redução na renda líquida dos hospitais e o incremento das despesas.

Outros pontos importantes são: a desvalorização da moeda nacional, que pressiona o aumento dos custos, uma vez que muitos materiais utilizados pelos hospitais são importados; o aumento do desemprego, que provoca redução dos beneficiários de planos de saúde e, por consequência, queda nas receitas das operadoras; e o medo da perda de emprego e do plano de saúde patrocinado pela empresa, que provoca o crescimento da demanda por consultas e exames e, portanto, da sinistralidade dos planos.

Normalmente, o principal gasto dos hospitais está relacionado aos recursos humanos, sejam os empregados diretos ou terceirizados. Os contratos com prestadores de serviços de outra natureza também entram na lista, como de lavanderia, limpeza, portaria, nutrição e esterilização de materiais. Outro componente importante são os materiais de custeio, principalmente aqueles ligados diretamente com a assistência ao paciente, como os utilizados em procedimentos cirúrgicos e as OPME – Órteses, Próteses e Materiais Especiais.

Quando se fala em reduzir custos, a primeira ação que os hospitais devem tomar é o combate vigoroso ao desperdício, explica o professor da FGV/EAESP. Nas instituições bem gerenciadas, não se espera encontrar um setor que sozinho proporcione uma grande economia, mas pequenas economias em todas as áreas podem gerar resultados significativos. “Portanto, é um trabalho ‘de formiguinha’ que depende do comprometimento e da conscientização de todos os colaboradores. São necessárias criatividade e inovação para buscar processos menos onerosos sem colocar em risco a qualidade e a segurança do atendimento”, expõe.

Por isso, é preciso transparência na comunicação entre todas as pessoas envolvidas. As lideranças devem estar bem informadas e capacitadas para transmitir as informações e devem ser capazes de motivar suas equipes para atingir os resultados planejados. “É imprescindível que os profissionais sejam vistos como parte fundamental da solução e recurso precioso da organização, não como problema a ser cortado”, acrescenta Ferreira Junior.

Para promover a redução de custos, o hospital precisa conhecer primeiro os seus gastos, e isso se consegue com um sistema confiável de apuração, o que, infelizmente, segundo o professor, poucas instituições no Brasil possuem. “Além disso, é preciso entender qual é a margem de contribuição de cada setor para o resultado financeiro final. Promover cortes em áreas de alto custo, mas que ao mesmo tempo geram alta margem de contribuição, pode ser desastroso. Muitas organizações têm na venda de materiais e medicamentos uma parte importante de suas receitas, e isso pode ser um estímulo à ineficiência”, ressalta.

A seguir, dois hospitais detalham sua experiência com excelentes resultados em diferentes áreas.

Sao Camilo PompeiaDo desperdício ao planejamento

O primeiro caso é da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo (SP), que reduziu os desperdícios no Setor de Nutrição e Dietética. A nutricionista e gerente de Hotelaria da Rede, Marisa Resende Coutinho, explica que em um processo produtivo, deve ser considerado o controle da sobra limpa e do resto alimentar.

Sobra limpa é o alimento que foi preparado, mas não distribuído. Seu monitoramento precisa ser bastante sensível, pois todo o processo de produção prevê uma “reserva técnica”, principalmente em restaurantes/refeitórios em que não existe um número fixo de pessoas utilizando-se dele. Resto alimentar é aquele que foi distribuído, mas não consumido pelo usuário e, neste ponto, deve-se ter também muita atenção, pois a rejeição pode acontecer por vários fatores, como sabor, consistência, temperatura, hábito do usuário do local e tamanho da porção.

“Ambos os desperdícios configuram custos desnecessários dentro da unidade. Significa que estamos comprando uma quantidade maior que a necessária, consumindo mais recursos, como água e energia, e utilizando mais funcionários”, expõe. Na Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, o controle de sobra e restos é feito desde 2005. Nos últimos quatro anos, os índices passaram de uma média de 4,4% de sobra limpa para 2,08%, e de 5,8% de restos alimentares para 2,6%.

Segundo o livro ‘Cardápios: planejamento, elaboração e etiqueta’, de Fátima Aparecida Ferreira de Castro, o esperado é que os restos não ultrapassem 5% da produção, neste caso, o serviço é classificado como ótimo. Aquele cujo desperdício de alimentos varia de 5% e 10% é considerado bom; na faixa regular está o que perde entre 10% e 15%. Os desperdícios que superam 15% da produção representam um indicativo de péssimo desempenho.

Com o objetivo de melhorar seus números, a São Camilo realizou ações para diminuição das sobras, como produção pautada na ocupação diária do hospital, revisão do per capita de cada preparação e treinamento da equipe para elaborar somente o estipulado pelo nutricionista. Com relação ao resto alimentar, revisou os cardápios, modificou os pratos com menor aceitação e conscientizou os colaboradores sobre a montagem das refeições.

Segundo Marisa, a maior dificuldade encontrada foi engajar as pessoas, pois, culturalmente, grande parte tem por hábito montar um prato cheio, mesmo que não consiga consumir tudo. “Nos nossos monitoramentos, observamos que cerca de 70% dos alimentos não consumidos eram aqueles que os usuários se servem livremente, como arroz, feijão e salada”, aponta.

Outra dificuldade relatada foi conscientizar a equipe de que não é necessário produzir uma quantidade muito maior do que a será consumida, basta seguir o porcionamento adequado. “Estamos superando esses desafios com trabalho de educação, tanto do usuário, por meio de campanhas, quanto dos funcionários que trabalham na produção”, conta Marisa, que acredita que o sucesso de qualquer ação está na persistência e no engajamento das pessoas.

Suas três principais dicas para diminuir desperdícios em alimentação são: organização do processo de produção, com educação dos funcionários, promovendo seu engajamento na redução da quantidade produzida desnecessariamente; implantação de cardápios pautados em estudo de aceitação da população; e campanhas de educação dos usuários do refeitório/restaurante. “Saber negociar a compra dos alimentos, utilizar aqueles com boa rentabilidade na hora do preparo e ter equipamentos para pré-processamento e processamento, como fornos combinados, também ajudam”, finaliza a nutricionista.

Equipe Lure e equipe do hospital

Equipes do Hospital Araújo Jorge e da Lure Consultoria

Da dívida ao sucesso

O segundo caso é a história de superação do Hospital Araújo Jorge, mantido pela ACCG – Associação de Combate ao Câncer em Goiás, de Goiânia (GO), o único no Centro-Oeste especializado no tratamento contra a doença. Em 2012, a instituição sofreu uma intervenção judicial do Ministério Público Estadual, pois suas obrigações com terceiros eram superiores ao ativo. Traduzindo em números, a dívida acumulada era de mais de 74 milhões de reais.

Essa situação gerava não apenas demora no atendimento, mas também atendimento parcial, por exemplo, o paciente necessitava de tratamento coadjuvante de quimioterapia e radioterapia, no entanto, realizava somente o de radioterapia.

Outros problemas consequentes foram: descumprimento do protocolo de tratamento quimioterápico; falta contínua de profissionais; atraso no pagamento dos salários dos colaboradores, gerando desmotivação; atraso no pagamento de fornecedores, o que resultou na suspensão do fornecimento de medicamentos; honorários médicos retidos há vários meses; e redução significativa na captação de recursos em virtude do destaque negativo na mídia.

Foi então que, neste mesmo ano, para assegurar a sobrevivência da instituição, que se encontrava no auge de uma crise financeira/gerencial, começou a ser implantado o modelo de gestão participativa, utilizando principalmente a filosofia lean healthcare. A ideia era incentivar e capacitar os colaboradores para construírem em parceria com os gestores as soluções para melhorar a situação.

A empresa responsável pela implantação do modelo lean no Araújo Jorge é a Lure Consultoria, que atua com a filosofia hands on (mão na massa), ou seja, juntamente com a equipe do hospital elabora, executa e acompanha o plano diretor de mudanças. Foram utilizadas as seguintes ferramentas: gestão a vista, indicadores, Kaizen, mapa mental Makigami, relatório A3, mapa de fluxo de valor, fluxo contínuo e 5S.

Foi então que começou a ter resultados satisfatórios. Com a revisão do processo de compras e da área da estocagem de materiais e medicamentos, somados à implantação do sistema de custos aprimorado, ao pente fino nas horas extras e à revisão das escalas de trabalho, conseguiu uma redução de 6% do custo total da instituição.

Na área de anatomia patológica, diminuiu o tempo para a entrega dos resultados de exames de 11 dias (janeiro de 2015) para seis (novembro de 2015). Além disso, saiu de um resultado deficitário de R$ 65.895,00 (01/2015) para o superavitário de R$ 36.223,00 (10/2015). Esses números foram obtidos com a implantação de fluxo contínuo, o balanceamento das atividades e a criação de células de trabalho entre médicos e digitadores.

Com a prescrição médica 100% eletrônica, os atrasos com a entrega da medicação reduziram 66%, diminuindo em 1 hora e 44 minutos o tempo de chegada do pedido à farmácia. Sem falar que caiu de 52 minutos para zero o tempo de envio da prescrição. A mudança se deu através de campanhas de adesão, ajustes na tela do sistema junto aos médicos e instalação de novos computadores.

Em radioterapia, o Araújo Jorge adotou a metodologia 5S para melhoria interna do setor, tanto de organização, quanto de cultura e convivência, através de reuniões para discussão de problemas e soluções. O hospital passou a acompanhar os indicadores de produtividade para análises gerenciais e tomadas de ação. Também mudou o layout das salas de espera e da recepção de enfermagem de 60 para 75 cadeiras; alterou o agendamento de consultas de revisão: de três dias para 0,5 dia; adotou sistema eletrônico para chamada de pacientes; implantou faixas de rotas para orientar melhor os usuários; e reduziu o desperdício na procura de fichas de mais de 2 horas para menos de 5 minutos.

Na área de enfermagem, padronizou os relatórios, reduziu a quantidade de cadernos, formulários e papéis utilizados pela equipe assistencial; implantou quadros de programação diária ao paciente, intercorrência e controles de chegada dos medicamentos; e criou check list de passagem de plantão para os enfermeiros.

No setor de quimioterapia, aumentou o faturamento em mais de 30% no primeiro projeto. No segundo, a fila de espera para o atendimento caiu de 12 dias para 0, e a capacidade de agendamento aumentou em 10%, graças a um sistema inteligente. Antes, os leitos e as cadeiras do setor ficavam vagos em grande parte do tempo, mas havia pacientes na fila para atendimento. Atualmente, o sistema permite encaixar essas pessoas, sem espera, nos horários vagos.

Segundo Alexandre Meneghini, presidente da ACCG, os principais desafios de implantação do lean healthcare foram falta de recurso financeiro (por ser uma instituição filantrópica); resistência a mudanças por parte da equipe de colaboradores e de algumas pessoas no corpo clínico que, à medida que foram enxergando os resultados, aderiram ao projeto; e parte da infraestrutura da ACCG, que é antiga, atrapalhando em certos momentos.

Em resumo, os objetivos do hospital eram equilibrar a área financeira; regularizar o fornecimento de medicamento quimioterápico; atender com agilidade o paciente em tratamento; pagar as dívidas antigas com fornecedores, empréstimos e encargos sociais; aumentar as receitas operacionais e as subvenções; e promover a melhoria contínua dos processos internos utilizando a filosofia lean healthcare.

“Gradativamente, esses pontos estão sendo alcançados. Em comparação com a realidade anterior, agora estamos em uma situação econômica financeira mais sólida, com números positivos dentro da realidade econômica brasileira do segmento”, considera Meneghini.

Dos 23 setores estabelecidos como prioridades, 16 já foram beneficiados até o momento. E mais sete ainda serão contemplados de acordo com a programação. Para os hospitais que desejam reduzir custos, o presidente da ACCG dá as dicas:

– Em primeiro lugar, o problema não são as pessoas, mas, sim, os processos, por isso eles precisam ser revistos e melhorados;

– Não adianta ter ótimos processos se as pessoas não são qualificadas. Busque capacitá-las para que estejam preparadas para as mudanças;

– Passe a medir tudo dentro do hospital, aquilo que não se mede não se gerencia;

– Busque ajuda de especialistas, pois eles mostram o método, auxiliam a ter objetivos claros e a manter o foco;

– Não tenha medo de mudar, pois a mudança tira as pessoas da zona de conforto e também traz resultados diferentes para o que está estagnado. Mas tenha cuidado em fazer isso com planejamento.


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