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Não somos adversários!

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Motivos não faltam, números também não. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que em 2030 ocorrerão 27 milhões de novos casos de câncer e 17 milhões de mortes. Considerando-se essa diferença entre incidência e mortalidade e o número de pacientes que sobreviveram ao câncer em anos anteriores, a estimativa é de 75 milhões de indivíduos vivos, curados ou em tratamento da doença.

Esses números mostram que é preciso acabar com o estigma antiquado de que o câncer retrata a morte, pois existem cada vez mais tratamentos, medicamentos e maneiras para evitá-lo, enfrentá-lo e vencê-lo. Um exemplo claro é o trabalho desenvolvido mundialmente contra o tabagismo, responsável por aproximadamente 30% de todos os casos de câncer no mundo.

A prevenção por meio de hábitos saudáveis, desde a interrupção do fumo até a prática de exercícios físicos e alimentação saudável, é um grande aliado no combate às doenças neoplásicas. Entretanto, não é garantia de que estamos fora de risco. Assim, continuaremos por décadas enfrentando essa realidade de números alarmantes de câncer, esperando que novos conhecimentos sobre as causas e os resultados de todas as práticas preventivas se reproduzam em queda nessa incidência.

A aplicação da fosfoetalonamina nesse cenário traz um alento àqueles que vivenciaram, na própria pele ou na de pessoas próximas, a dolorosa experiência de enfrentar o câncer. Surge como luz de esperança em casos já vistos como perdidos, respaldados por relatos individuais de sucesso. Entretanto, há um viés crítico na interpretação do que se fala sobre essa droga, justamente, na validade do que se é dito.

A aplicação de drogas, seja para tratar um sintoma (febre, por exemplo) ou uma doença como o câncer, é obrigatoriamente amparada por estudos clínicos, obedecendo a regras preestabelecidas de eficácia e segurança. Essas regras, que precedem os outros desfechos dos tratamentos médicos, constituem um dos princípios mais importantes da Medicina: o da não maleficência, de não causar mais danos do que a própria doença. A forma de reconhecer que a droga usada hoje não será letal daqui a 10 anos, como já vimos em casos de quimioterápicos que induziram o desenvolvimento de leucemia ou insuficiência cardíaca, passa por uma observação criteriosa, detalhada, construída ao longo de anos, respeitando variáveis inerentes ao paciente, doença e tratamento. É por isso que os passos dados em Medicina são, habitualmente, lentos: prioriza-se a segurança.

Assim, rotular esse produto, a fosfoetalonamina, como salvador da pátria, configura total desespero, justificável em quem vive a doença, mas inconcebível para aqueles responsáveis pelo equilíbrio do Estado, pela organização da saúde publica, pela segurança de toda uma Nação.

A comunidade médica anseia por novos tratamentos, cada vez mais eficazes e menos mórbidos, porém, sabe exatamente a consequência do uso indiscriminado do desconhecido. O médico oncologista não é adversário do paciente e seus familiares quando não concorda com a fosfoetalonamina. Mas, sim, alguém preocupado com o futuro do seu paciente, visando buscar um medicamento mais seguro e não uma panaceia que apenas ilude a quem mais precisa.

Dr. Elge Werneck Júnior é membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e atua na prevenção, diagnóstico e no tratamento do câncer na Clínica de Hematologia e Oncologia Curitiba (IHOC), Clínica de Oncologia e Hematologia de São Paulo, no Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), no IAMSPE e no Hospital Heliópolis – em São Paulo. Possui cursos na Universidade de Yale, Universidade da Filadélfia e no MD Anderson Cancer Center


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