A FDA, a agência americana que regula medicamentos, aprovou na quarta-feira (30) um tratamento inovador capaz de combater o câncer. A terapia celular chamada comercialmente de Kymriah (tisagenlecleucel), da farmacêutica suíça Novartis, será indicada para casos de leucemia linfoide aguda, um tipo de câncer comum em crianças e adolescentes. Poderá ser uma opção para pacientes com até 25 anos que não melhoraram com nenhum outro tratamento.
Trata-se de uma imunoterapia combinada a engenharia genética – compondo um medicamento feito sob medida para cada paciente. “Estamos entrando em uma nova fronteira de inovação médica com a capacidade de reprogramar as células do próprio paciente para atacar um câncer mortal”, afirmou o diretor da agência, Scott Gottlieb.
Para Raphael Brandão, coordenador científico do Grupo Oncoclínicas, a liberação de uso da medicação nos EUA representa uma importante evolução para o tratamento deste tipo de leucemia e deve abrir espaço para a aprovação de outras medicações similares, baseadas na chamada terapia gênica, para outros 40 tipos de câncer com alto índice de letalidade, incluindo linfomas, mieloma múltiplo, melanoma, tumores de pâncreas, intestino, ovário e pulmão.
“Essa nova medicação é feita a partir da retirada dos linfócitos T dos pacientes, que são como soldados responsáveis por evitar a invasão de inimigos ao nosso corpo – mas que por algum fator são ‘enganadas’ pelas células cancerígenas, levando ao surgimento de tumores malignos. Essas células do sangue são então reprogramadas em laboratório e reintroduzidas no organismo do paciente. Ao conferir esse ‘super poder’ para combater a doença, a nova terapia apresentou resultados que superaram a marca dos 80% de remissão em jovens com leucemia linfoblástica aguda”, explica o especialista, responsável por uma série de estudos de referência global sobre Imunoterapia e único brasileiro a assinar um capítulo no livro que é considerado a bíblia do assunto – “Cancer Immunotherapy Principles and Practice“, publicado pela Society for Immunotherapy of Cancer (SITC).
“Essa combinação de imunoterapia e engenharia genética permite customizar a dose exata necessária para cada caso, o que contribuí para sua alta taxa de eficácia. Ao promover uma resposta mais agressiva do sistema imunológico para destruir o tumor, todavia, foram identificados alguns efeitos colaterais importantes, como febre alta e queda brusca da pressão. Ainda assim, a liberação do tisagenlecleucel representa uma nova e promissora era da medicina personalizada no combate ao câncer”, ressalta o Dr. Raphael Brandão.
Como funciona
Conhecido como CAR-T, o método é totalmente personalizado e associa a imunoterapia à engenharia genética. Ao contrário dos medicamentos disponíveis atualmente, cada dose é customizada para o paciente e, para isso, há uma logística complexa.
A confecção do tisagenlecleucel consiste em retirar as células de defesa do sangue do próprio doente e modificá-las em laboratório. Uma vez alteradas, as células, mais potentes, são reintroduzidas no paciente. Assim, elas se tornam capazes de reconhecer e destruir o tumor de forma mais eficaz.
O estudo conduzido com a terapia mostrou que uma dose única de Kymriah fez desaparecer por completo os tumores de 83% dos participantes. Os resultados foram considerados impressionantes pelos oncologistas e um grande avanço para aqueles que não tinham mais opções.
Efeitos colaterais
Apesar de promissora, a nova terapia pode ter efeitos colaterais graves. O mais frequente é a resposta exacerbada do sistema imunológico, que causa febre muito alta e queda súbita de pressão arterial, além de dificuldade para respirar e inchaço dos órgãos. Em alguns casos, essas reações graves em pacientes já debilitados podem ser fatais.
Em maio, a Kite Pharma revelou que uma pessoa havia morrido durante o ensaio clínico por causa de um edema cerebral. E, em julho de 2016, a Juno Therapeutics, outra companhia que testa o CAR-T informou que quatro pessoas morreram durante os estudos. Todas de edema cerebral. O procedimento só pode ser feito em ambiente hospitalar.
Outros tumores
O CAR-T tem mostrado resultados impressionantes no tratamento de leucemias e linfomas — que não melhoram com as terapias convencionais. A abordagem está sendo estudada também para outros quarenta tipos de câncer, entre eles o de pâncreas, intestino, ovário e pulmão. O tratamento deverá custar 475.000 dólares — o equivalente a 1,5 milhão de reais.